segunda-feira, 6 de novembro de 2023

[Pensar Criminalista]: Entendendo o Acordo de Não Persecução Penal


Resumo do artigo

Confira no artigo as características e o procedimento do Acordo de Não Persecução Penal. Descubra também as principais jurisprudências dos Tribunais Superiores sobre a matéria e fique atualizado!

Caros leitores,

Hoje vamos mergulhar em um tema cada vez mais relevante para o processo penal brasileiro: o acordo de não persecução penal (ANPP).

Uma ferramenta importante para desafogar o sistema judiciário e buscar a resolução mais eficiente de certos delitos. O instituto mitiga o princípio da obrigatoriedade nos crimes de ação penal pública.

A seguir, vamos explorar os requisitos para a sua aplicação, bem como outros aspectos importantes do instituto.

Conceito e natureza jurídica

O ANPP é uma medida despenalizadora disciplinada no art. 28-A do CPP. Um acordo entabulado entre o Ministério Público e o acusado, com o objetivo de promover uma justiça mais célere e eficiente, evitando o ajuizamento desnecessário de ações penais quando possível a adoção de medidas mais ágeis e satisfatórias

Inicialmente disciplinado pela Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, o instituto foi inserido ao nosso ordenamento jurídico pela Lei 13.964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime).

Quais são os requisitos para o ANPP?

O ANPP somente pode ser oferecido quando

  • o investigado confessar formal e circunstanciadamente a prática da infração penal;
  • a infração penal for cometida sem violência ou grave ameaça; e
  • a pena mínima abstratamente cominada for inferior a 4 anos.

Mas, não poderá ser aplicado quando

  • for cabível a oferta da transação penal;
  • o investigado for reincidente ou caso hajam elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
  • o agente houver sido beneficiado nos últimos 5 anos com ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
  • o crime for praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Como funciona o procedimento do ANPP?

O ANPP será formalizado por escrito e firmado entre Ministério Público, investigado e o seu defensor.

Preenchidos os requisitos mencionados, o Ministério Público pode propor o acordo, apresentando ao acusado as condições que deverão ser cumpridas em troca da não instauração da ação penal.

Essas condições precisam ser necessárias e suficientes para a reprovação e a prevenção do crime, podendo ser aplicadas cumulada e alternativamente. Alguns exemplos delas são:

  • reparação do dano ou restituição da coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
  • renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
  • prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução;
  • pagamento de prestação pecuniária, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

Homologação judicial do ANPP

Será designada uma audiência para a verificação da voluntariedade da pessoa investigada em aderir ao acordo proposto pelo Ministério Público. Nesta audiência o investigado será ouvido, na presença do seu defensor.

Verificada a sua legalidade, o ANPP será homologado e os autos enviados para que o Ministério Público inicie a execução do acordo junto ao juízo da execução penal.

Mas, se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições do acordo, devolverá os autos para que o Ministério Público reformule o acordo.

Se o Ministério Público se recusar a adequar o acordo ou se o juiz considerar que ele é eivado de ilegalidade, irá recusar a homologação do ANPP e devolver os autos para que o órgão ministerial complemente as investigações ou ofereça a denúncia.

Vale pontuar que da decisão que recusa a homologação do ANPP cabe recurso em sentido estrito, nos termos do inciso XXV do art. 581 do CPP.

Descumprimento e cumprimento integral do acordo

Se o investigado descumprir quaisquer das condições impostas, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão do acordo; Porém, deverá ser concedido ao investigado o direito à ampla defesa.

Após a rescisão do acordo, será oferecida a denúncia e a ação penal seguirá o seu curso normal. 

Cumprido o acordo em sua íntegra, será declarada a extinção da punibilidade do agente.

Outros aspectos relevantes

  • A vítima será intimada da homologação e do descumprimento do ANPP.
  • A celebração e o cumprimento do ANPP não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins de viabilizar a contagem do prazo de 5 anos que impede a oferta do acordo.
  • Se o Ministério Público se recusar a propor o acordo, o investigado poderá requerer a remessa dos autos para a instância de revisão ministerial.
  • O prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado não corre enquanto não cumprido ou rescindido o ANPP (inciso IV do art. 116 do CP).

Jurisprudência dos Tribunais Superiores

A seguir, selecionei alguns julgados importantes dos nossos Tribunais Superiores sobre o ANPP.

Nas referências estão os links para acesso aos acórdãos e decisões na íntegra. Vale uma leitura dessa jurisprudência selecionada, ok?

1. Aplicabilidade do ANPP à Justiça Militar

"(...) concedo a ordem de habeas corpus para determinar a suspensão do processo e de eventual execução da pena até a manifestação motivada do órgão acusatório sobre a viabilidade de proposta do acordo de não persecução penal, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP. Julgo, ainda, prejudicado o pleito exposto no habeas corpus 215.870/AM, devendo ser arquivado de imediato. (...)" (STF, HC 215.931/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Decisão Monocrática proferida em 12/06/2023, publicada em 13/06/2023)

2. Nulidade absoluta da denúncia oferecida sem motivação idônea para a recusa do ANPP

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 337-E DO CÓDIGO PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). ART. 28-A, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROPOSITURA DO PACTO APÓS O OFERECIMENTO E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PROPOR O ACORDO NO MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO, CASO CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS. NULIDADE ABSOLUTA. FORMALIZAÇÃO DO ACORDO QUE NÃO PODE SER CONDICIONADA À CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. PRESUNÇÃO DE PREJUÍZO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. (...) 3. Configuradas as demais condições objetivas, a propositura do acordo não pode ser condicionada à confissão extrajudicial, na fase inquisitorial. Precedente: STJ, HC n. 657.165/RJ, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 09/08/2022, DJe 18/08/2022. 4. Por constituir um poder-dever do Parquet, o não oferecimento tempestivo do ANPP desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta. (...) (STJ, AgRg no HC 762.049/PR, Relª. Minª. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 07/03/2023, DJe de 17/03/2023)

3. Momento da exigência da confissão para a celebração do ANPP

(...) Portanto, a partir das premissas estabelecidas, com a entrada em vigor da Lei 13964/19, em 23.01.2020, a análise do cabimento do ANPP se refere exclusivamente à satisfação dos requisitos objetivos, independentemente da confissão do investigado na Etapa de Investigação Criminal, desde que uma das partes tenha formulado o pedido de análise do ANPP na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a data de vigência do art. 28-A do CPC, sob pena de estabilização da controvérsia por meio dos efeitos preclusivos do comportamento omisso, em observância da boa-fé objetiva e do princípio da cooperação processual. Os termos do acordo depende da análise das circunstâncias do caso penal.
No caso concreto, o pedido de aplicação do Acordo de Não Persecução Penal [ANPP] se deu na primeira oportunidade de manifestar-se nos autos após a entrada em vigor do art. 28-A (...) (STF, HC 205.816/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Decisão Monocrática proferida em 06/06/2023, publicada em 07/06/2023)

4. Não cabimento de ANPP em crimes raciais

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. OBSERV NCIA. NECESSIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TESE DEFENSIVA. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CRIME RACIAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INAPLICABILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A construção e o efetivo alcance de uma sociedade fraternal, pluralista e sem preconceitos, tal como previsto no preâmbulo da Constituição Federal, perpassa, inequivocamente, pela ruptura com a práxis de uma sociedade calcada no constante exercício da dominação e desrespeito à dignidade da pessoa humana. 2. A promoção do bem de todos, aliás, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal de 1988. 3. Assim, a delimitação do alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador” e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com o texto Constitucional e com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente, como limite necessário para a preservação do direito fundamental à não discriminação e à não submissão à tortura – seja ela psicológica ou física, ao tratamento desumano ou degradante, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e que atribui tanto às mulheres quanto às pessoas negras posição inferior, numa perversa hierarquia de humanidades. 4. Considerada, pois, a teleologia da excepcionalidade imposta na norma e a natureza do bem jurídico a que se busca tutelar, tal como os casos previstos no inciso IV do art. 28 do CPP, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) não abarca os crimes raciais, assim também compreendidos aqueles previstos no art. 140, § 3º, do Código Penal (HC 154248). 5. Recurso ordinário em habeas corpus não provido. (STF, RHC 222599, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 07/02/2023, Processo Eletrônico DJe-s/n DIVULG 22/03/2023 PUBLIC 23/03/2023)

5. ANPP nos casos de emendatio e mutatio libelli

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). ART. 28-A DO CPP. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA. ALTERAÇÃO DO QUADRO FÁTICO JURÍDICO. NOVO PATAMAR DE APENAMENTO. CABIMENTO DO ANPP. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. (...) III - Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial. Agravo regimental provido. (STJ, AgRg no REsp n. 2.016.905/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 14/4/2023)

6. Retroatividade do ANPP

Decisão: Após os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator), Edson Fachin e Dias Toffoli, que concediam a ordem, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, para o fim de determinar a análise do cabimento do ANPP pelo Juízo de origem, e propunham a fixação da seguinte tese: "[a] O Acordo de Não Persecução Penal é norma de natureza híbrida [material-processual], diante da consequente extinção da punibilidade, com incidência imediata em todos os casos sem trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que requerida na primeira intervenção procedimental das partes após a vigência da Lei 13.964/19 [23/01/2020], em observância à boa-fé objetiva e à autovinculação das partes aos comportamentos assumidos [comissivos ou omissivos]; (...) pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Falaram: pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal; e, pelo amicus curiae Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Fabiano Dallazen, Procurador de Justiça do Estado. Plenário, Sessão Virtual de 15.9.2023 a 22.9.2023. (STF, HC 185.913/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Decisão de julgamento em 25/09/2023)

Espero que tenham gostado do texto e que ele tenha sido útil para aprofundar seus conhecimentos neste tema tão relevante. Continuem acompanhando o meu blog para mais conteúdos jurídicos atualizados e dicas para a sua carreira jurídica.

Até a próxima!

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Referências:

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Disponível em < https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-181-1.pdf >

________. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >

________. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm >

________. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm >

________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no HC 762.049/PR, Relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 07/03/2023, DJe de 17/03/2023. Disponível em < https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202202454162&dt_publicacao=17/... >

________. ________. Agravo Regimental no Recurso Especial 2.016.905/SP, Relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 07/03/2023, DJe de 14/4/2023. Disponível em < https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202202360665&dt_publicacao=14/... >

________. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 185.913/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Decisão de julgamento em 25/09/2023. Disponível para consulta em < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5917032 >

________. ________. Habeas Corpus 205.816/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Decisão Monocrática proferida em 06/06/2023, DJe de 07/06/2023. Disponível em < https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15358663546&ext=.pdf >

________. ________. Habeas Corpus 215.931/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Decisão Monocrática proferida em 12/06/2023, DJe de 13/06/2023. Disponível em < https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15358791738&ext=.pdf >

________. ________. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 222.599/SC, Relator Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 07/02/2023, DJe de 23/03/2023. Disponível em < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=766490810 >

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal; organizado por Pedro Lenza. 11. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. (Coleção Esquematizado®)

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