Resumo do artigo
Em recente decisão, a Sexta Turma do STJ anulou uma condenação baseada em reconhecimento pessoal e identificação por redes sociais, ressaltando o risco de erros judiciais por falsas memórias. Leia o artigo completo e entenda como o tribunal abordou o princípio do favor rei e a proteção contra condenações injustas.
Caro leitor,
O reconhecimento pessoal como prova no Processo Penal tem sido amplamente debatido devido à sua fragilidade epistêmica, ou seja, à falta de certeza que essa modalidade de prova pode fornecer.
Em recente decisão, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus em um caso no qual o reconhecimento pessoal e a identificação por meio de redes sociais foram os principais elementos de prova contra o acusado. Essa decisão trouxe à tona discussões fundamentais sobre a falibilidade da memória humana, especialmente em situações de alta tensão, e a necessidade de se evitar erros judiciários.
O caso e a fundamentação da decisão
A Sexta Turma do STJ, ao analisar o HC 903.268, destacou que o reconhecimento pessoal, mesmo quando realizado conforme as disposições do art. 226 do CPP, não possui força probante absoluta. Segundo o ministro Schietti, há uma "fragilidade epistêmica" inerente ao processo de reconhecimento pessoal, decorrente da própria falibilidade da memória humana.
Essa vulnerabilidade foi evidenciada no caso em questão, em que a identificação do acusado foi feita pela vítima em uma varredura na lista de amigos do corréu no Facebook. A vítima teve apenas alguns segundos para observar o suspeito durante o assalto, momento marcado por grande tensão emocional. A decisão do STJ sublinhou que, nessas circunstâncias, o reconhecimento baseado apenas na memória visual da vítima apresenta um elevado risco de erro.
Erros honestos e a psicologia do testemunho
Um dos conceitos centrais abordados pela decisão foi o dos chamados "erros honestos", oriundos da psicologia do testemunho. Diferente da mentira deliberada, o erro honesto ocorre quando a testemunha ou vítima, mesmo sendo sincera, se engana sobre os fatos devido a falhas em suas memórias.
O ministro relator ponderou em sua decisão que, conforme estudos da psicologia, a sinceridade não equivale necessariamente à verdade. A testemunha pode acreditar sinceramente que sua versão dos fatos é verdadeira, mas essa narrativa pode não corresponder à realidade dos acontecimentos.
Portanto, uma pessoa pode estar errada, sem, contudo, mentir, simplesmente porque sua memória distorceu ou alterou o ocorrido. Este fenômeno das falsas memórias, frequentemente observado em reconhecimentos pessoais, foi amplamente estudado e documentado em casos de condenações equivocadas.
Provas corroborativas e a contradição com a realidade
No caso analisado pelo STJ, a defesa apresentou documentos que demonstravam que o réu havia sofrido um acidente de carro um mês antes do crime, resultando em uma fratura na perna. Essa condição física o deixou incapacitado, conforme comprovado por seu afastamento do trabalho pelo INSS até dois meses após o crime.
Além disso, uma testemunha confirmou que o réu estava usando uma bota ortopédica na véspera dos fatos, o que contradizia a narrativa da vítima, que alegou que o criminoso desceu da moto e fugiu rapidamente a pé.
Essas evidências conflitantes com o depoimento da vítima foram decisivas para a decisão do tribunal, que apontou que as provas apresentadas pela acusação não eram suficientes para sustentar a condenação.
Princípio do favor rei e a proteção contra erros judiciários
No Direito Penal, a dúvida deve sempre favorecer o réu. Esse princípio, conhecido como favor rei, foi reafirmado pela Sexta Turma do STJ ao decidir que, diante da fragilidade das provas, a condenação do réu não poderia ser mantida.
O tribunal enfatizou que em um sistema processual penal, onde se prezam as garantias fundamentais e os direitos do indivíduo, não se pode correr o risco de consolidar um erro judiciário.
Nesse sentido, a decisão do STJ cita o renomado jurista Luigi Ferrajoli, que ressalta a necessidade de um Direito Penal mínimo, cujo objetivo é garantir que nenhum inocente seja condenado, ainda que isso signifique que algum culpado possa escapar da punição. A certeza da punição só deve ocorrer quando todas as provas forem suficientemente robustas para eliminar qualquer dúvida razoável sobre a autoria do crime.
Conclusão: a necessária absolvição do acusado
Ao final, a Sexta Turma do STJ concedeu a ordem de habeas corpus e absolveu o réu das acusações. A decisão reforça a importância de uma avaliação criteriosa das provas no processo penal, especialmente quando estas se baseiam em reconhecimentos pessoais ou memórias visuais.
Em um sistema jurídico que valoriza a proteção dos direitos individuais, é imprescindível que a certeza sobre a culpa seja inquestionável. Quando há dúvidas, o réu deve ser beneficiado, garantindo que o processo penal cumpra sua função de justiça e evite condenações injustas.
Até a próxima!
Referências:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus 903.268, Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 10/04/2024. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra... >
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